No final não fica nada, esquecem-se as memórias e as promessas. Arrumam-se os corpos a um canto, cobertos de cicatrizes e cortes ainda sangrentos. Arrumam-se a um canto, amanhã podem já não ser precisos e a alma dura para sempre. Há que cuidá-la. O resto que se lixe. Cubra-se a cara de sorrisos artificiais e inventem-se forças para continuar, mesmo quando já se sabe à partida que o caminho não leva a lugar algum. Voltamos sempre ao mesmo. Não podemos continuar a esconder-nos por detrás dos corpos que já não aguentam ser fustigados.
Não compreendo este entrelaçar de dedos, o carinho lascivo com que nos tratamos. Não percebo se é causa ou consequência de tudo o resto: os corpos susceptíveis ao toque. A tua cabeça a adaptar-se tão perfeitamente ao meu ombro. É ridículo serem só os corpos, como queremos acreditar. São os silêncios em que embrulhamos os braços e os abraços, como se ficasse algo por dizer. Como se houvesse uma lacuna por preencher com um amo-te ou no mínimo um gosto de ti.
Depois recuperamos a compostura. Voltamos à frieza, e às feridas, e ao corpo ensanguentado. Há que cuidar a alma e não dá-la a ninguém. Somos ilhas por vezes unidas por pontes e nada mais que ilhas unidas por pontes. Devorem-se os corpos, consuma-se a pele. Mas a nós que ninguém nos roube de nós mesmos. Porque quando os corpos desaparecerem somos tudo o que resta.