Deixamo-nos ficar, noite após noite. Tu a ler, eu a fazer outra coisa qualquer. O jantar esquecido noite dentro. Não apetece comer. Há coisas mais importantes para fazer, ou há a moleza que deve ser respeitada. Há dias em que comer parece acessório. A música continua e há-de continuar pelo simples facto de não poder faltar. Isso e o aroma a café bem espalhado pela casa. Será que o café já subiu? Deixa-o ficar mais um pouco, não me apetece levantar. Acendo um cigarro e digo a mim mesmo que quando acabar de o fumar vou buscar café.

Pouso as canecas na mesa. Prometo a mim mesmo que é hoje que acabo o livro e acabo por escrever apenas três ou quatro linhas. O resto do tempo olho para as palavras e penso como seria bom acabá-lo. Já começa a ser um peso. Dou-te a mão. Ainda bem que comprámos um sofá de dois lugares em vez de três. Senão, o meu braço não te alcançava. Depressa afastas a mão. E não tem mal. Tens que virar a página. Pouso a mão no teu pé e continuo a olhar para as palavras. E só quando é tarde, muito tarde: vamos dormir? Vamos.

No final, tudo se resume a este momento. Dorme bem, amor. Tu também. Beijas-me na boca. Os meus braços a segurar o teu corpo e o sono que há-de chegar. Porque é assim todas as noites. O deitar é só uma formalidade, um pretexto para estarmos fisicamente perto um do outro sem nada fazer. Culpar o café seria fácil. É um pretexto, é porque tem que ser. Acabamos sempre por ficar só ali deitados. Já é dia. Tem dias que fazemos amor, na maior parte deles ficamos a olhar-nos nos olhos. À espera que o outro sorria para nos abraçarmos com força mais uma vez e dizer vamos dormir! agora é que é! Tem dias que é, tem outros que não. Se por acaso adormeces primeiro, sussurro-te ao ouvido confissões de amor que de outra forma não poderia dizer e lá acabo por adormecer também.