A primeira coisa que a Rita faz quando chega a casa é tirar os sapatos. Tem que usar saltos altos o dia todo, moem-lhe os pés. E para além do alívio, adora a sensação de tirar os pés dos sapatos e sentir a diferença de altura para o chão, sentir-se de novo mais baixa. Dá alguns passos, curtos, saboreia os pés a pisar o chão frio, e só depois calça os chinelos para os voltar a sentir quentes.
Como qualquer coisa, bebe (mais) um café, deita-se no sofá e só quando está com frio se cobre. Adormece por dez minutos e acorda sem vontade de ir para a cama. Desliga a televisão, lê algumas páginas do livro que está a ler. É no fim da terceira frase – que não tinha absolutamente nada a ver com isso – que se apercebe que agora que tinha sucesso se sentia ainda mais entediada que quando o não tinha. Pelo menos antes sonhava. Nada lhe resta para desejar.
Enche um copo com whisky. Uma garrafa que tinha para oferecer aos amigos e que nunca tinha sido aberta. Encostou-se à janela, acendeu um cigarro, deu vários goles do copo. Apercebeu-se que alguém no prédio em frente a olhava, e olhou de volta. Permitiu-se sentir algo que pensava já não poder sentir. A sedução de um corpo frágil, a atracção do desespero. Olhavam-se nos olhos como se tentassem caçar. Esvaziou o copo e encheu-o de novo, aquecia-lhe o sangue e adormecia-lhe a alma. Quando se sentiu a apaixonar por aquela estranha, posou o copo, apagou o cigarro (o terceiro), e afastou-se do seu próprio reflexo.