A Sara seguia a cento e quarenta e seis quilómetros por hora no comboio. Por qualquer razão, tinha reparado e fixado o olhar no pequeno painel electrónico num dos topos da carruagem. Meia dúzia de caracteres e tanta informação. Velocidade, temperatura (interior e exterior), horas… e talvez nunca tivesse reparado no tempo que um minuto demora a passar. Ao fim de dois aborreceu-se, encostou-se para trás, abriu o livro que trazia para ler. E naquele último segundo (que agora lhe pareceu rápido) antes de se debruçar na página que marcava com o dedo, olhou à volta.
De todas as pessoas que preenchiam de vida o espaço exíguo da carruagem, fixou-se numa. Fixou-se num olhar que atravessava o vidro e abraçava o mundo como se o visse pela primeira vez. Como se o tempo não existisse sequer. As mãos, grandes mas delicadas, pousadas sobre as pernas. Agora, a Sara olhava para aquele homem com o mesmo olhar que a tinha prendido. E o tempo, que lhe parecia parado, na realidade passava depressa. A Sara não só o fixava como o absorvia. Porque ela sentia já aqueles braços longos e as mãos grandes mas delicadas a envolverem o seu corpo.
Então, o homem, porque as pessoas têm destas coisas, ter-se-á sentido olhado. E naquela infinitésima parte de segundo que os olhos demoram a mudar de direcção, o tempo parou. A Sara hesitou, tremeu. Naquelas horas a Sara sentiu pela primeira vez que um estranho a tocava e a compreendia. E esse era um peso para o qual não estava preparada. Naquela infinitésima parte de um segundo, a Sara desviou o olhar. Escondeu-se no livro, e só quando percebeu que ele se deixara absorver de novo pela paisagem é que conseguiu ter forças para levantar de novo o olhar. Os minutos a durarem outra vez uma eternidade.
O comboio, eventualmente, parou, porque mesmo que pare, o tempo nunca deixa de passar. E ela levantou-se, pegou na mala, adiou o mais que pode a saída. Até que o comboio ameaçou partir, e ela teve mesmo que sair. Como se o cais fosse o regresso a um mundo onde cada segundo conta o tempo que demora a passar, e tenha que ser aproveitado como se não houvessem outros.
Com a mala pousada no chão, enquanto vestia no casaco, o comboio a passar lento, em aceleração, ele na janela a olhar o mundo, a absorvê-lo. E naquele último instante, quando ela já só pensava que não devia ter desviado o olhar, os olhares cruzaram-se. Por culpa do comboio. Não que ele ou ela tenham realmente feito algo por isso.
*cashback
De todas as pessoas que preenchiam de vida o espaço exíguo da carruagem, fixou-se numa. Fixou-se num olhar que atravessava o vidro e abraçava o mundo como se o visse pela primeira vez. Como se o tempo não existisse sequer. As mãos, grandes mas delicadas, pousadas sobre as pernas. Agora, a Sara olhava para aquele homem com o mesmo olhar que a tinha prendido. E o tempo, que lhe parecia parado, na realidade passava depressa. A Sara não só o fixava como o absorvia. Porque ela sentia já aqueles braços longos e as mãos grandes mas delicadas a envolverem o seu corpo.
Então, o homem, porque as pessoas têm destas coisas, ter-se-á sentido olhado. E naquela infinitésima parte de segundo que os olhos demoram a mudar de direcção, o tempo parou. A Sara hesitou, tremeu. Naquelas horas a Sara sentiu pela primeira vez que um estranho a tocava e a compreendia. E esse era um peso para o qual não estava preparada. Naquela infinitésima parte de um segundo, a Sara desviou o olhar. Escondeu-se no livro, e só quando percebeu que ele se deixara absorver de novo pela paisagem é que conseguiu ter forças para levantar de novo o olhar. Os minutos a durarem outra vez uma eternidade.
O comboio, eventualmente, parou, porque mesmo que pare, o tempo nunca deixa de passar. E ela levantou-se, pegou na mala, adiou o mais que pode a saída. Até que o comboio ameaçou partir, e ela teve mesmo que sair. Como se o cais fosse o regresso a um mundo onde cada segundo conta o tempo que demora a passar, e tenha que ser aproveitado como se não houvessem outros.
Com a mala pousada no chão, enquanto vestia no casaco, o comboio a passar lento, em aceleração, ele na janela a olhar o mundo, a absorvê-lo. E naquele último instante, quando ela já só pensava que não devia ter desviado o olhar, os olhares cruzaram-se. Por culpa do comboio. Não que ele ou ela tenham realmente feito algo por isso.
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