A Dona Isabel, que insiste em ser tratada apenas por Isabel, intrigou-me logo no primeiro contacto sem que conseguisse perceber porquê. A Dona Isabel, que não consigo tratar apenas por Isabel, conquistou o meu respeito ao contra-argumentar as minhas rápidas impressões sobre aquela cidade estranha. Revelou-se uma encantadora e humilde conversadora. Disse-lhe que encontrara bastante desenvolvimento na cidade desde a minha última visita. Contestou: “Acha?”, com uma cortesia quase desarmante. Argumentei, ela contra-argumentou e sugeriu o café com laranja. Acabei por optar pelo café cigano que alguém me havia sugerido. Eventualmente, acabei por perceber que a Dona Isabel, melhor que ninguém, conhecia os seus cafés. As suas sugestões revelaram-se deliciosas combinações de café, algumas tão simples como um fantástico mazagrã. Ao longo dos dias, deixei-me perfumar com os aromas do café e do chocolate, todos feitos pela própria.
A Dona Isabel, uma Mulher assim não pode ser só Isabel, fugiu ao Destino. É, provavelmente, a única pessoa que conheço que de facto o conseguiu. Ainda que no caso dela seja incerto se foi uma conquista ou uma rendição. Passa os dias numa das duas salas, da estufa, a que chama escritório. A outra está cheia de plantas que ela cria. É este o mundo dela. É este o mundo que ela escolheu para recomeçar a vida. É entre café, chocolate, flores e dois dedos de conversa com os clientes, nunca mais que isso para não incomodar a privacidade de cada um.
A Dona Isabel, jamais Isabel, correu o mundo, conheceu o longe e o perto. De todos os sabores escolheu o café e o chocolate. O doce e o amargo. Aprendeu a escolhê-lo, a combinar os diferentes lotes. Hoje tem a sua própria mistura, alcançada após muitas experiências e estudo também. Aprendeu a transformar o cacau em chocolate e fá-lo divinalmente. No meio disto tudo ainda tem tempo para pintar, para criar as suas plantas e fazer arranjos florais que quase falam. E ela podia ser tudo, podia mandar naquele país, podia escrever a sua vida, vendê-la e ficar rica, podia ser excêntrica. Mas não. A Dona Isabel escolheu viver para ela. Deixou a política, o mundo, e dedicou-se a si mesma. Agora é feliz. Verdadeiramente feliz. Descobriu-se a si mesma e entre um café e uma taça de chocolate, dá duas pinceladas e cheira uma flor. Cumprimenta sempre os clientes e fala um pouco, mas não mais do que o necessário porque não se sente no direito de interromper o café de ninguém. Passa os dias no seu Luna Azul e é feliz. Podia ser tudo mas foi isto que escolheu. Fugiu ao destino: não entrou num avião em que devia ter entrado e que acabou por se despenhar.
Fecho o livro, pago a conta. Passo pelo escritório da Dona Isabel e digo até amanhã. Ela agradece, quando deveria ser eu a fazê-lo.