conto os comprimidos, um a um, soporíferos e afins. rastejo pela casa em busca de uma corda suficientemente forte. caso tudo isso falhe retiro do velho baú um punhal que deixo pousado na mesa de cabeceira mesmo ao lado do livro que não vou acabar de ler. faço um último telefonema. escrevo umas últimas palavras no excesso trágico de um fim de uma vida sofrida. mas não é isso. nada disso. como me farto de tudo o resto, fartei-me também de viver. dormir, sonhar, acordar, mais um dia, sempre mais um dia igual aos outros... este é o último... só o teu amor me ressuscitaria...

amo-te... são as últimas palavras que consigo escrever num último momento de romantismo exarcebado...

tenho frio. tremo. transpiro. ainda que com muita dificuldade, respiro. estou doente. parece que vou morrer. olho-me ao espelho e vejo uma sombra branca do meu rosto. no delírio febril vejo cores brilhantes de combinações de milhares de arco-íris. vejo um sorriso que brilha na escuridão quase impenetrável desta noite que sei que será mais uma em que não conseguirei dormir... apesar dos muitos comprimidos...

estou doente da alma...

se eu quero estar contigo e tu queres estar comigo porquê continuar este jogo? porquê que não ficamos os dois simplesmente lado a lado, porque não nos abraçamos e beijamos e amamos, porquê? porquê continuar este jogo de gato e rato? porque a sedução não é mais que jogar às escondidas sentimentais...

odeio estes jogos ridículos em que sou obrigado a fingir que não te quero, que sou obrigado a dar passos em frente e atrás. para quê conquistar-te se já te conquistei? para quê convencer-te de que te desejo se já o sabes... enfim... não sei que mais dizer... que mais te dizer... estou aqui e sou teu, mesmo que não me queiras conquistar...

odeio saber o fim antes do fim...