talvez não merecesses toda aquela atenção. afinal de contas, nada fizeste para o merecer. amava-te, duvido que fosse recíproco. umas vezes pensava que sim. outras não. retríbuias os meus sorrisos de vez em quando. mas o olhar, por vezes, não enganava, dizia claramente que estávamos irremediavelmente apaixonados. mas eram só os olhares, eventualmente um sorriso, uma brincadeira ou outra. por qualquer razão que ignoro as circunstâncias não permitiram que a paixão (ou a ausência dela) se consumasse.
eu dava-te toda a atenção que podia dar, guardava apenas uma réstia para murmurar uma resposta a uma pergunta que me pudessem fazer. exceptuando os sim, não, pois, que era obrigado a pronunciar por uma questão de etiqueta e para justificar a minha presença física naquele grupo de pessoas. só tinha atenção para ela.
registava o mais pequeno movimento, os olhares, os sorrisos, a forma de pegar no cigarro, a maneira de ajeitar o cabelo ou a roupa, a maneira de te sentares, de falares. registei tudo isto e muito mais na memória de forma extremamente minuciosa. a certa altura ias embora, eu balbuciava um xau, ia também para casa.
ao sentar-me no sofá, montava o meu próprio filme contigo. deitado na cama a ouvir música clássica para dar um toque épico. junta o teu terceiro sorriso daquela tarde, com o primeiro olhar. a frase x com a frase y. mais ainda, pegava em palavras soltas e constítuia frases que saíam da tua boca e soavam no meu coração abstémio de afecto. conversava contigo. noites e noites a fio conversava contigo sobre tudo e sobre nada. na minha cabeça.
assim te amava, como uma marioneta da minha imaginação. um entretém para os meus momentos de solidão crónica.
insónia #1
Quando entras no bar e a vês ao longe a sorrir por ele lembras-te que não és só tu que tens um passado. E é aí que pensas que já chega, que já foi longe de mais. É aí que decides que não podes continuar assim. Fazes planos para mudar de cidade, de país e ficas no mesmo sítio porque sabes que não adianta fugir. Dizes já chega e durante dois ou três dias cumpres, não mais que isso. A necessidade de te enganares a ti mesmo é demasiado grande. Acabas por te cruzar com ela, talvez ela te telefone, e és tu quem sorris por ela. Com algo tão simples como uma qualquer piada que vos seja familiar, que te faça sempre rir. Ou talvez seja pela forma como ela pronuncia aquela palavra. O certo é que quando dás por ti, acreditas que o passado foram apenas vocês os dois, e que tudo pode voltar a ser como foi. Mas não pode. Um dia vais ter que dizer já chega e vais ter que cumprir. Mas não hoje.