bebo o café como bebo a vida, de um trago só para o amargo ser menor. penso na carta que te escrevi e nunca chegaste a ler porque nunca cheguei a mandar. não sei se consigo perdoar. a ti e a mim. não sei se ainda te amo. não quero recordar as discussões demasiado acesas. as acções demasiado pesadas. o amor e o orgulho. a dor de saber que te estava a perder. fui aos correios e voltei para casa e queimei a carta. não pensei mais em ti, até agora.
hoje, ao abrir uma gaveta, encontrei as cartas que trocávamos. comecei a escrever-te uma carta que não acabei. talvez voltes um dia e a acabes. ficaste no pensamento mesmo que agora seja tudo diferente. não te esqueço, não sou capaz, não quero. sei que se pudesse voltar a ver-te pela primeira vez, como se todo aquele passado não existisse, como se as formas do teu corpo e do teu olhar não ressuscitassem algo que já não existe. se pudesse apagar o passado, sem dúvida, amar-te-ia de novo...
insónia #1
Quando entras no bar e a vês ao longe a sorrir por ele lembras-te que não és só tu que tens um passado. E é aí que pensas que já chega, que já foi longe de mais. É aí que decides que não podes continuar assim. Fazes planos para mudar de cidade, de país e ficas no mesmo sítio porque sabes que não adianta fugir. Dizes já chega e durante dois ou três dias cumpres, não mais que isso. A necessidade de te enganares a ti mesmo é demasiado grande. Acabas por te cruzar com ela, talvez ela te telefone, e és tu quem sorris por ela. Com algo tão simples como uma qualquer piada que vos seja familiar, que te faça sempre rir. Ou talvez seja pela forma como ela pronuncia aquela palavra. O certo é que quando dás por ti, acreditas que o passado foram apenas vocês os dois, e que tudo pode voltar a ser como foi. Mas não pode. Um dia vais ter que dizer já chega e vais ter que cumprir. Mas não hoje.