tentei fechar a mão e segurar algo, a tua mão quem sabe, mas apenas o ar se opôs na resistência ténue que pode oferecer. acordei nesse momento do sonho em que vivia. da ilusão de que ainda estás aqui. desisti de me tentar convencer que nada mudou, que tudo está igual.
vou até à janela e através do meu reflexo vejo a rua, vazia, o reflexo das luzes cor-de-laranja no pavimento molhado. um cão abandonado. acendo um cigarro que aperto entre os lábios até ficar oval. tremo das mãos e não tento acalmar-me. deixo que o pânico me arraste até ficar parado, completamente imobilizado. enquanto esse orgasmo não chega e me congela o pensamento penso no que é feito de ti e sei que não sei e sei que não quero saber. num último esboço de pensamento antes do pânico percebo que apenas não quero pensar, que não quero morrer.
quase que por espasmo aperto a mão com toda a força e sinto a tua mão e sinto o teu olhar e beijo os teus lábios e levo-te de volta para a cama e fico ali contigo a olhar-te, agora calmo, agora feliz. acendo um cigarro com o anterior e acordo e tu não estás lá.
insónia #1
Quando entras no bar e a vês ao longe a sorrir por ele lembras-te que não és só tu que tens um passado. E é aí que pensas que já chega, que já foi longe de mais. É aí que decides que não podes continuar assim. Fazes planos para mudar de cidade, de país e ficas no mesmo sítio porque sabes que não adianta fugir. Dizes já chega e durante dois ou três dias cumpres, não mais que isso. A necessidade de te enganares a ti mesmo é demasiado grande. Acabas por te cruzar com ela, talvez ela te telefone, e és tu quem sorris por ela. Com algo tão simples como uma qualquer piada que vos seja familiar, que te faça sempre rir. Ou talvez seja pela forma como ela pronuncia aquela palavra. O certo é que quando dás por ti, acreditas que o passado foram apenas vocês os dois, e que tudo pode voltar a ser como foi. Mas não pode. Um dia vais ter que dizer já chega e vais ter que cumprir. Mas não hoje.