Se eu conseguisse deixar de pensar que amanhã posso morrer talvez conseguisse dormir. Já sei como é. As insónias são uma irritante constante da minha vida. Desde que ela me deixou que é assim. Desde que ela apareceu na minha vida que assim é. Porque a conheci e me apaixonei. Porque não consigo dormir com alguém ao meu lado. Porque me deixou e não consegui deixar de pensar nela. Não consigo dormir. È tarde. É domingo. Adormeço tarde. Acordo cedo com o barulho irritante do aspirador e o cantarolar da mulher da limpeza. Já pensei em despedi-la e arranjar uma que só trabalhe de tarde. Já pensei em muita coisa que nunca cheguei a fazer. Antes assim. Evito chatices.
Amanhã é um novo dia e não consigo dormir porque amanhã posso morrer e hoje ainda não vivi tudo. Às vezes penso que dormir é deitar tempo fora. Quando isso acontece adormeço com todas as forças que tenho e acordo cansado. Desiludido por ter acordado. Há dias que passo sem pensar. Há dias que passo sem dormir. Há dias que quase morri. Tenho medo de amanhã. No dia em que foste embora foi o dia em que adormeci e te larguei a mão e não te disse adeus.
insónia #1
Quando entras no bar e a vês ao longe a sorrir por ele lembras-te que não és só tu que tens um passado. E é aí que pensas que já chega, que já foi longe de mais. É aí que decides que não podes continuar assim. Fazes planos para mudar de cidade, de país e ficas no mesmo sítio porque sabes que não adianta fugir. Dizes já chega e durante dois ou três dias cumpres, não mais que isso. A necessidade de te enganares a ti mesmo é demasiado grande. Acabas por te cruzar com ela, talvez ela te telefone, e és tu quem sorris por ela. Com algo tão simples como uma qualquer piada que vos seja familiar, que te faça sempre rir. Ou talvez seja pela forma como ela pronuncia aquela palavra. O certo é que quando dás por ti, acreditas que o passado foram apenas vocês os dois, e que tudo pode voltar a ser como foi. Mas não pode. Um dia vais ter que dizer já chega e vais ter que cumprir. Mas não hoje.