adeus

As despedidas surgem sempre fora de tempo.











adeus.

Talvez seja melhor assim. Sem palavras pesadas e mergulhados em silêncio. Eu viro costas e tu também. Os caminhos separam-se num até já e com demasiado por dizer. Não vale a pena insistir. Digo-te que vou comprar tabaco, que vou ter que ficar a trabalhar até tarde. Qualquer coisa simples. Que se perceba que é mentira, mas que seja incontestável. Se chegámos até aqui foi por mero acaso. Uma coincidência delimitada no espaço e no tempo. Nada nos empurra para a frente. Talvez seja melhor assim.

entre o candeeiro e o sinal.

- É esta a minha casa. Podes parar aí, entre o candeeiro e o sinal.

Ele parou o carro e desligou o motor. Não disse nada para não a encorajar a sair. Ela procura as chaves de casa na carteira. Sente-se frustrada porque nunca encontra nada. Ele sente-a a fugir e sabe que tem que fazer algo.

- O jantar estava bom, não estava? Devíamos repetir.

Ela responde que sim e não diz mais nada. Olha em frente. Tem as chaves de casa na mão e não diz nada. Ele olha para ela e depois olha em frente, tentando ver o mesmo que ela. Ficam assim uns minutos. Ela mexe no rádio, procura uma estação que não incomode demasiado. Explica-lhe que ainda não recuperou do último namorado, que já passou mais de um ano mas que ainda sente o cheiro dele na roupa. Tudo lhe lembra ele, porque ele era, é, tudo. Talvez nunca deixasse de o ser. Volta a mexer no rádio.

- Não consigo ouvir esta música.

Ele não pergunta porquê. Hesita em dizer o que seja. Ela continua a falar, mais sozinha que com ele. Não sabe porque o faz porque tanto faz. Perdeu a vida e tarda em reencontrá-la. O coração insiste em permanecer parado, o sangue não circula. Tem o corpo gelado. Ainda não consegue sair da concha em que se fechou. Não tem afectos para dar.

- As pessoas também hibernam, andam por aí sonolentas. Como se nada as afectasse. Ninguém percebe que é por não conseguirem sentir, por não conseguirem dar o que seja. É uma questão de sobrevivência. O que não faz sentido, porque também não estou viva.

Ela encolhe os ombros. Ele brinca com a chave na ignição. Diz-lhe que tudo vai ficar bem. Que pode esperar. Diz-lhe que é linda e que de certeza os olhos lhe voltarão a brilhar. Está apaixonado sem qualquer esperança. Sabe que nunca a terá, mas ainda não sabe que não a voltará a ver. Puxa-a para um abraço que ela finge aceitar. O coração permanece parado e lembra-se dos abraços que sabiam a mil. Ele acredita que lhe conquistou a confiança e para ela foi indiferente. Ele tem o coração cheio, a transbordar. Ela lembra-se do amor que ainda sente e tem vontade de chorar.

- Acho que vou entrar. Obrigado pelo jantar.

Ele que repete que deveriam repetir e fica à espera que ela entre. Liga o carro e olha para o sinal, que só agora repara ser de sentido único.
Quero matar-te. Estou apaixonado. É a pior que me pode acontecer. O que quer que seja é o primeiro passo para o fim de tudo. Acontece sempre demasiado cedo e é como uma bomba. Destrói tudo. Começa em mim e depois propaga-se. Só pára quando nada mais restar que não nós. Não sou assim. Estou apaixonado. Não consigo evitar este desejo de tudo incendiar. Não dá. Mais vale esquecer. Não dá. O corpo já não aguenta o coração. Senta-te aí. Enche o copo. Acende um cigarro. Estás confortável? Óptimo. Sabes o que tens a fazer. Tens-me acorrentado e só tens que puxar o gatilho. Não sei como isto foi acontecer. Sabes o que tens a fazer. Diz-me que nunca mas nunca mesmo. E não me digas que nunca é demasiado forte. Puxa o gatilho. Não sabes? Claro que sabes. No teu coração não há lugar para mim. Puxa o gatilho. Vá, tu consegues. Porquê a hesitação? Bebe mais um copo, dois. Embebeda-te terrivelmente e que isso te sirva de desculpa. Mata-me. Anda lá. Chorar é para os fracos. Não consegues? Porquê? Mata-me de uma vez, porra! É o que dói mais. Esta indefinição de nunca sermos capazes de nos matar. Esta explosão contida mil vezes a consumir o oxigénio. O coração histérico. Eu não sou assim. Estou apaixonado. É o fim de tudo.